sexta-feira, outubro 23, 2009

Luzes da cidade

Da varanda, no alto de sua cobertura, ele olhava as luzes de néon da cidade. Por ser um dos prédios mais altos da cidade, ele podia admirar quase toda ela em sua cobertura. Este foi um dos motivos pelo qual ele se empenhou tanto em seu trabalho, em subir de cargo. Estar ali, era seu objetivo. Gostava de todas as noites contar com a solidão a sua volta, o que achava incrível, se sabendo que morava antes em uma cidade pequena, e lá aonde deveria se estar só, todos lhe conheciam. Na cidade grande o oposto ocorria, milhões de pessoas, e se quer um conhecido, se não os do trabalho. Era exatamente o que ele desejava. Noite após noite, ele se debruçava na sacada, um copo de vinho na mão, um som lento ao fundo, algumas vezes um slow jazz, outras um trip-hop, sempre mais lento. E por cerca de uma hora, admirava a paisagem, curtia sua solidão. Por dias, meses, foi tudo o que fez, chegava do trabalho, e assim fazia. Tudo mudou, quando em uma jogada do destino, ele precisando de vinho, e com fome, resolveu sair, ir a esquina (aonde estava o supermercado) comprar algo para comer, e outra garrafa para casa. Foi exatamente o que fez, até o ponto em que chegou a porta do seu prédio. Do lado de fora, semi inconsciente, estava uma mulher, com seus vinte e poucos anos, visivelmente passando mal. Ele deu alguns passos em sua direção, para oferecer ajuda, celular na mão, discando para um hospital lhe enviar uma ambulância. Fato é, que depois de muito tempo passado, no qual ela poderia ter morrido, a ambulância chegou, mas na cama, ao passo de ir, ela segurou o seu braço, fazendo-o entrar junto. No hospital, diante de várias perguntas, as quais não tinha resposta, pensou em ir embora. Por um motivo, que não soube identificar resolveu ficar. Passou a noite ao lado dela, que nada mais tinha que intoxicação alcoólica. Manhã seguinte ela acordou, perguntou quem era ele, respondido as dúvidas, finalmente ele se despediu, sabendo que ela se chamava Joana, e que havia feito a coisa certa ao ajuda-la. Dever cumprido, voltou ao seu apartamento, banhou-se e foi ao trabalho. Dia de rotina, tudo normal, terminou o serviço, pegou um táxi, foi para seu lar (não dirigia). Mudança de rotinas, Joana estava na porta, esperando que ele chegasse. Chamou-o anjo. Agradeceu-lhe. Anjo, educado, respondeu, conversou, e terminada as razões de Joana para estar ali, anjo pôs-se a abrir a porta. Ela lhe segurou, perguntou se poderia subir. Embora ela o atraísse fisicamente, o desejo de estar só de anjo era ainda mais forte, talvez se a tivesse conhecido em outras circunstâncias, a tivesse seduzido, levado a um motel, mas nunca levara ninguém a sua casa. Não era dado a intimidade. Ela percebeu que Anjo evitava, que só não lhe mandava embora, por ser educado demais. Foi quando ela sugeriu, sem saber que atingia direto no ponto, que ela só queria conhecer aonde ele morava, mas ficaria calada, e não o incomodaria em nada , a não ser que ele quisesse conversar. Por que ela disse isso nem ela mesmo sabe explicar, intuição talvez. Fato é subiram juntos. Ela achou, que sua fala tinha sido somente uma expressão, uma forma de o convencer, mas logo entraram ele lhe disse, que durante ao menos uma hora, não gostaria de ser incomodado, iria colocar um cd do gosto dele, sem discussões, abrir um vinho, e calmamente relaxar, se ela insistia em estar ali, podia lhe oferecer do vinho, mas nada a mais. Por uma hora, não fizeram nada além de ouvir a música, e beber do vinho, cada qual curtindo sua solidão. Quando terminaram, ele a pediu para ir embora. Teria sido o fim, se Joana, não fosse tão insistente. Dia após dia, ela o esperava a porta do prédio. Sem uma palavra subiam, e repetiam a mesma rotina. Ela aprendeu a gostar de seus cds. Sabia inglês o suficiente, para guardar certas letras, e em sua própria casa, na internet, achar as bandas das quais ele tanto gostava. E foi por causa disso que ela conseguiu um pouco mais dele. Ela gravou um cd, com artistas no mesmo estilo do qual ele gostava, mas que nunca havia ouvido no apartamento dele. Levou então para ele. Sem palavras, quando ele foi colocar o cd, ela o segurou, e antes que ele pudesse criticar colocou o cd que ela gravara. Ao ouvir os primeiros acordes, ele recuou, prestou atenção. Abriu o vinho, ainda atento a música. Por sua uma hora, apenas fizeram isto, mas quando Joana, já acostumada se encaminhou em direção a porta, ele a chamou, pediu que ela ficasse mais. Perguntou do cd, ela explicou como achou. Perguntou de qual programa ela usou para baixar, ela indicou sites, com links diretos. E pela primeira vez conversaram por algum tempo. Por fim, sem mais explicações, ele a pediu para sair quando suas dúvidas terminaram. Ela chorando em seu próprio quarto, pensou em desistir, chegou a achar um absurdo ainda insistir em visita-lo. Deu a si então um prazo , disse a si mesma : - "amanhã vai ser a última vez que faço isso". Dia seguinte na porta do prédio, mesma rotina, entram, música, vinho, paisagem. E novamente ela ia embora, quando de costas o ouviu perguntar : -"Esta com fome?". Ela ficou muda, rouca, ele repetiu a pergunta. Ela respondeu que sim, ela saia direto do serviço para la, e jantava horas depois, quando chegava em casa. Ele a convidou para jantar ali. Toda noite ele encomendava comida, e ele gostaria que ela ficasse, para comer com ele. Ela ficou, e começou a lhe fazer perguntas. Ela a impediu, a disse que hoje ainda não era o tempo certo para falar dele mesmo, que hoje iriam conversar mas sobre ela. Ela respeitou, ansiosa para saber dele, falou somente de si. Fizeram isso por uma semana, na segunda semana, ele a surpreendeu de novo, e a chamou para passar a noite lá. Foi a primeira vez em que fizeram amor. Suavemente, gentilmente, noite adentro, se amaram. Aninhados nos braços um do outro acordaram juntos. Ele sorriu ao acordarem, e depois de um bom banho se despediram, cada qual indo ao seu trabalho. Nessa noite, ela passou antes na casa dela, precisava mudar de roupas, precisava de mais roupas. Ele chegou a porta de seu prédio e não a viu, algo o incomodou, começou a ficar preocupado, olhava o relógio de cinco em cinco minutos. Percebeu seu maior erro, evitando intimidade, não perguntou a ela seu número de celular, nem o endereço da casa dela. Depois de uma hora esperando, se cansou subiu a sua cobertura, decidido a beber. Antes que pudesse cumprir seus desejos, seu interfone tocou. Era ela. Amargo, ele a atendeu, quase a xingando. Ela calma, perguntou o que aconteceu. Ele em explicativas confusas fez-se entender, ela por sua vez, o abraçou, disse a ele para não se preocupar, fora apenas trocar de roupa, e aproveitou e trouxe uma extra, caso fosse novamente dormir ali. Mais calmos seguiram sua rotina, mas as uma hora de atraso dela, toda a vez, o incomodava. E depois de um tempo, tomou coragem. Chamou a ela para morar com ele. Dessa vez, ela que pensou, ela queria é claro, mas ainda não sabia quase nada dele. Ela lhe disse isto, disse - lhe seus pensamentos. Ele por fim, sorriu -lhe disse a ela que perguntasse o que ela desejava saber. Conversaram por horas. E sem mais motivos para ceder, ela mudou para lá, não antes claro, de o convencer a conhecer os pais delas. Meses se passaram, estações, anos, e ainda hoje, na sacada daquele prédio, quem puder olhar acima, talvez do prédio em frente, consegue ver um casal bebendo em taças, e curtindo uma franca solidão a dois.



----------------
Now playing: Ivy - Worry About You
via FoxyTunes

2 comentários:

Unknown disse...

Este conto é profundo, diferente e
transparente. Gostei!

marina bruna disse...

Este Conto relmente me encantou, continue escrevendo, você vai longe...